Os Espaços Cálidos. Traduçao, planeajamento editorial e programaçao visual de Cleto de Assis. Apresentaçao de Sergio Faraco. Ediçao bilingue com apendice biobibliográfico e de referencias sobre o autor e sua obra. Fundaçao Cultural NossAmérica. Brasilia. 1968.
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AMO-TE, INFÂNCIA Amo-te, infância, te amo porque ainda me guardas um gramado com cabras, tardes com céus de pandorgas e cachos de frutas nas pesadas ramagens, Amo-te, lnfância, te amo porque me deste a chuva que faz crescer os riachos de minha aldeia, porque deste a meus olhos um arco-íris sobre as colinas. Ainda existem as laranjeira que plantou meu pai no pátio da casa, o fomo onde minha mãe fazia o pão e doumdas roscas com açúcar e canela? Recordas nosso cão que, brincando, me mordia as pernas e as mãos? Nasciam pontos de sangue, uma pequena dor, mas tudo passava rápido com o sabor das goiabas. Amo-te, infância, te amo porque eras pobre como um brinquedo camponês, porque trazias os Reis Magos pela janela. Um dia levaste à porta de minha casa um homem de barba que fazia bailar um urso a golpes de tambor e outro dia disseste a meu pai que me desse um asno negro. Recordas que tu e eu o banhávamos no rio? Recordas que havia uma penumbm de bambu e samambaia? Amo-te, infância, te amo porque me punhas triste quando estava enfermo, quando meu pai me falava de sua term distante. Recordas? Uma vez me mostraste um eclipse às dez da manhã e as aves voltaram a dormir. Existe ainda aquele menino sem parentes que um dia baixou da montanha e me pediu o pão que eu comia na praça da aldeia? Amo-te, infância, te amo porque me davas favos de mel na casa da escola, porque me levavas ao sítio onde viviam as vacas. Amo-te, infância, te amo porque me deste minha aldeia com sua torre, e seus dias de festas com touros e ginetes e fitas e balões de papel e violas sertanejas que acendiam as primeiras estrelas além das árvores. Amo-te, infância, te amo porque te recordo a cada instante, no começo do dia e na caída da noite, no sabor do pão, na brincadeira de meus filhos, nas horas duras de meus passos, na lonjura de minha mãe que está feita à tua imagem e semelhança na proximidade de meus ossos. CONDORESOs condores agrupam-se para dormir |
Cleto de Assis:
Vicente Gerbasi, o Poeta de Canoabo
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Na década de 1930/40, a poesia venezuelana
sofreu uma transformação de qualidade que
lhe proporcionou um distanciamento
irreversível do que era até então e a confinava
a um relativo provincianismo. Vicente Gerbasi foi um dos artífices mais destacados dessa transformação. Filho de um emigrante italiano, nasceu em 1913, no interior do país, onde decorreu a sua infância numa vivência que o marcou indelevelmente e se faz sentir basicamente em toda a sua poesIa. Manejando o vérso livre e de largo ritmo, proporciona um deslumbrante caleidoscópio de imagens que lembra um Neruda tropical equilibrando com êxito uma candante sensualidade com uma melancolia repassada de ternura. |
O leopardoO leopardo refugia-se na noite das grandes folhasque brilham como fontes, afunda em suas pegadas escaravelhos adormecidos, volteia no seu furor obscuro que traz o fogo nos olhos. Em torno de si a sombra cheira a vegetais de menta, dispersa vagalumes entre as lianas. Os caçadores tomam a sua pele e estendem-na ao vento como uma constelação. Rostos campesinosUm cheiro acre de café madurodispersa grumos vermelhos na luna, grilos de luz violeta, cascavéis que envenenam o ar da sambaia. Ilumina-se a sombra dos cumes e baixa pelas árvores do rio soando lírios brancos de penumbra até a escura casa do silèncio, onde ascende o milho pérolas quebradas. Circunda-nos a noite grão por grão, com música de fronde nos confins, com guaruras indígenas que chamam a tristeza sombria dos mortos. Na luz da lámpada vai fugindo un espaço de ervas, de tabaco, de torrões azuis e de rãs. Em círculo, os rostos camponeses ouvem o conto antigo dos astros. No fundo florestal do diaO acto simples da aranha que tece uma estrela na penumbra,o elástico passo do gato para a mariposa, a mão que resvala sobre o dorso tépido do cavalo. o olor sideral da flor do café, o sabor azul da baunilha, detêm-me no fundo do dia. Há um resplendor c6ncavo de fetos, uma ressonância de insectos, umà cambiante presença de água nos rincões pétreos. Reconheço aqui a minha idade feita de sons silvestres, de lume de orquídea, de cálido espaço florestal, onde o pássaro carpinteiro faz soar o tempo. Aqui o entardecer inventa uma rubra pedraria, uma constelação de vagalumes, uma queda de folhas claras para os sentidos, para o fundo do dia, onde se encantam os meus ossos agrestes. |