Vicente en Portugués

Os Espaços Cálidos. Traduçao, planeajamento editorial e programaçao visual de Cleto de Assis. Apresentaçao de Sergio Faraco. Ediçao bilingue com apendice biobibliográfico e de referencias sobre o autor e sua obra. Fundaçao Cultural NossAmérica. Brasilia. 1968.


Los espacios cálidos traducido por Cleto de Asis y publidado por Fundaçao Cultural Nossamérica, Brasilia 1988



AMO-TE, INFÂNCIA

Amo-te, infância, te amo
porque ainda me guardas um gramado com cabras,
tardes com céus de pandorgas
e cachos de frutas nas pesadas ramagens,

Amo-te, lnfância, te amo
porque me deste a chuva
que faz crescer os riachos de minha aldeia,
porque deste a meus olhos um arco-íris sobre as colinas.

Ainda existem as laranjeira
que plantou meu pai no pátio da casa,
o fomo onde minha mãe fazia o pão
e doumdas roscas com açúcar e canela?

Recordas nosso cão que, brincando,
me mordia as pernas e as mãos?
Nasciam pontos de sangue, uma pequena dor,
mas tudo passava rápido com o sabor das goiabas.

Amo-te, infância, te amo
porque eras pobre como um brinquedo camponês,
porque trazias os Reis Magos pela janela.

Um dia levaste à porta de minha casa
um homem de barba que fazia bailar um urso a golpes de tambor
e outro dia disseste a meu pai que me desse um asno negro.

Recordas que tu e eu o banhávamos no rio?

Recordas que havia uma penumbm de bambu e samambaia?

Amo-te, infância, te amo
porque me punhas triste quando estava enfermo,
quando meu pai me falava de sua term distante.

Recordas? Uma vez me mostraste um eclipse às dez da manhã
e as aves voltaram a dormir.

Existe ainda aquele menino sem parentes
que um dia baixou da montanha
e me pediu o pão que eu comia na praça da aldeia?

Amo-te, infância, te amo
porque me davas favos de mel na casa da escola,
porque me levavas ao sítio onde viviam as vacas.

Amo-te, infância, te amo
porque me deste minha aldeia com sua torre,
e seus dias de festas com touros e ginetes e fitas
e balões de papel e violas sertanejas
que acendiam as primeiras estrelas além das árvores.

Amo-te, infância, te amo
porque te recordo a cada instante,
no começo do dia e na caída da noite,
no sabor do pão,
na brincadeira de meus filhos,
nas horas duras de meus passos,
na lonjura de minha mãe
que está feita à tua imagem e semelhança
na proximidade de meus ossos.

CONDORES

Os condores agrupam-se para dormir
na noche solitária da sombra,
encolhidas as cabeças nas curvas das asas,
sob o escuro vento dos frailejones.
Alguma estrela ilumina seus olhos
que ainda vigiam na noite,
e, abaixo, no abismo dos vagalumes,
o sono move as cabeças ásperas das serpentes.
De pedra em pedra baixa a montanha,
de silêncio em silêncio da morte,
onde bala, escondida, alguma ovelha.
A noite reúne sons nos precipios,
brilha nos ramos desfolhados,
como gelo de relâmpago
na fronteira melódica dos crânios.















Página aparecida en Letras & Letras, Porto, Portugal el 5 de noviembre de 1989:


Viagem à poesia latino-americana

Vicente Gerbasi - homem tropical


Fernando Couto


Na década de 1930/40, a poesia venezuelana sofreu uma transformação de qualidade que lhe proporcionou um distanciamento irreversível do que era até então e a confinava a um relativo provincianismo.
Vicente Gerbasi foi um dos artífices mais destacados dessa transformação. Filho de um emigrante italiano, nasceu em 1913, no interior do país, onde decorreu a sua infância numa vivência que o marcou indelevelmente e se faz sentir basicamente em toda a sua poesIa. Manejando o vérso livre e de largo ritmo, proporciona um deslumbrante caleidoscópio de imagens que lembra um Neruda tropical equilibrando com êxito uma candante sensualidade com uma melancolia repassada de ternura.

O leopardo

O leopardo refugia-se na noite das grandes folhas
que brilham como fontes,
afunda em suas pegadas escaravelhos adormecidos,
volteia no seu furor obscuro
que traz o fogo nos olhos.
Em torno de si a sombra cheira a vegetais de menta,
dispersa vagalumes entre as lianas.
Os caçadores tomam a sua pele
e estendem-na ao vento como uma constelação.

             

Rostos campesinos

Um cheiro acre de café maduro
dispersa grumos vermelhos na luna,
grilos de luz violeta, cascavéis
que envenenam o ar da sambaia.
Ilumina-se a sombra dos cumes
e baixa pelas árvores do rio
soando lírios brancos de penumbra
até a escura casa do silèncio,
onde ascende o milho pérolas quebradas.
Circunda-nos a noite grão por grão,
com música de fronde nos confins,
com guaruras indígenas que chamam
a tristeza sombria dos mortos.
Na luz da lámpada vai fugindo
un espaço de ervas, de tabaco,
de torrões azuis e de rãs.
Em círculo, os rostos camponeses
ouvem o conto antigo dos astros.

               

No fundo florestal do dia

O acto simples da aranha que tece uma estrela na penumbra,
o elástico passo do gato para a mariposa,
a mão que resvala sobre o dorso tépido do cavalo.
o olor sideral da flor do café,
o sabor azul da baunilha,
detêm-me no fundo do dia.

Há um resplendor c6ncavo de fetos,
uma ressonância de insectos,
umà cambiante presença de água nos rincões pétreos.
Reconheço aqui a minha idade feita de sons silvestres,
de lume de orquídea,
de cálido espaço florestal,
onde o pássaro carpinteiro faz soar o tempo.

Aqui o entardecer inventa uma rubra pedraria,
uma constelação de vagalumes,
uma queda de folhas claras para os sentidos,
para o fundo do dia,
onde se encantam os meus ossos agrestes.